google.com, pub-3521758178363208, DIRECT, f08c47fec0942fa0 BURT MUNRO E A INDIAN MAIS VELOZ DO MUNDO - AUTOentusiastas Classic (2008-2014)

BURT MUNRO E A INDIAN MAIS VELOZ DO MUNDO



A velocidade é um conceito que intriga e é capaz de direcionar a vida de muita gente. “Será que posso ir mais rápido?” Este pensamento regularmente passa pela mente de muitos aficionados por velocidade. Há quem diga também que a velocidade é como uma droga, você fica viciado e não consegue parar.

Quanto mais rápido se vai, mais se deseja ir além. O limite está sempre um passo a frente, e quando se alcança este limite, apenas desloca a barreira um pouco mais além. Um belo caso de vício e dependência profunda da velocidade é o lendário Herbert James Munro, ou apenas Burt Munro, e sua Indian Scout recordista de velocidade.

A Velocette de Burt

Muitos conhecem esta figura pelo filme "Desafiando os Limites" (The World’s Fastest Indian) de 2005, estrelado por Anthony Hopkins, que conta a história de Burt e seu sonho de ir a Bonneville tentar bater os recordes de velocidade existente. Filme muito interessante.

Munro nasceu em 1899 na cidadezinha de Invercargill, no sul da Nova Zelândia, um lugar pouco propenso para um entusiasta por velocidade e por Bonneville. Viveu boa parte da vida em fazendas da familia, foi vendedor e mecânico de motos, até que descobriu sua aptidão à mecânica e a paixão pela velocidade.

Em 1920, Munro comprou sua lendária Indian Scout. Na realidade, era uma Indian 1919, mas como ele mesmo assinou na pintura da moto o ano da compra, “como ela foi comprada em 1920, eu a chamava de Indian 1920”.

A moto era um modelo equipado com motor bicilíndrico de 600 cm³, duas válvulas laterais por cilindro, transmissão de três marchas acionadas por alavanca, embreagem acionada no pé e quadro rígido (sem suspensão traseira). Originalmente, a moto não passava dos 90 km/h, o que para a época já não era pouco.

Uma Indian Scout 1919 original, a base para a Munro Special

Não era pouco, mas era insuficiente para Munro. Seis anos depois de comprar sua moto, era hora de iniciar as modificações para que ela fosse imbatível. Este processo demorou nada menos que quarenta anos. Imaginem, quarenta anos de trabalho duro e suado em cima de uma única moto. Não era uma tarefa fácil, ainda mais para quem não tinha recursos como uma oficina completa e equipamentos de desenvolvimento.

Como Burt era um homem simples e de poucos recursos financeiros, tinha que usar a cabeça para extrair os resultados desejados de sua moto. Ele mesmo fabricava boa parte das ferramentas e das peças de sua moto, com uma fundição rudimentar no próprio barracão em que vivia.

Sua experiência com motos, além de alguns anos como piloto de corrida, aguçaram sua intuição no que funcionava e o que não funcionava para atingir seu objetivo maior, a velocidade.

A Munro Special em uma de suas primeiras versões
  
Com uma capacidade acima da média de autodidática, Burt desenvolveu suas teorias e criou seus próprios componentes mecânicos para a moto. Incrivelmente, não fazia desenhos técnicos de suas peças, eram todas feitas a partir de sua cabeça e alguns poucos rabiscos em “papel de pão”.

Antes de trabalhar pesado em cima da sua Munro Special, Burt modificou uma Velocette MSS 1936 inglesa, passando o motor de 500 cm³ para 600 cm³. Originalmente, esta moto já tinha um motor mais moderno que o da Indian, com válvulas no cabeçote (OHV, overhead valves) acionadas por varetas (pushrods) e balancins (rockers), já servindo de escola para futuros projetos de Burt para a Indian.

Começando com a redução de peso geral da moto e melhorando a posição de pilotar para reduzir o arrasto aerodinâmico, o desempenho da moto já começava a mostrar potencial para altas velocidades.

O motor já modificado por Burt, com o cabeçote multiválvulas

Alguns anos mais à frente, a moto já possuía válvulas no cabeçote, originalmente de duas válvulas por cilindro que ele transformou em quatro por cilindro. Medições de potência não eram feitas, pois se Burt mal tinha condições de ter ferramentas de boa qualidade, quem diria usar um dinamômetro. Se bem que ele seria capaz de fazer seu próprio dinamômetro...

A configuração multiválvulas favoreceu o fluxo de admissão em alta velocidade, por conta de melhor de área de passagem e velocidade limite do fluxo quando este passa pelas válvulas. Juntamente com a admissão, Burt retrabalhou o sistema de escapamento da Indian, com tubos prolongados e com terminação em formato de cone.

A engenhosidade de Munro na preparação de sua moto

Ao longo dos anos, a cilindrada foi sendo aumentada para poder gerar mais potência. De 600 cm³, ele passou o motor para 850 cm³, depois foi até 950 cm³. Com o aumento do esforço sofrido pelo motor e a nova dinâmica interna, cabeçotes com mais componentes etc., um sistema de lubrificação mais eficiente foi criado para atender às necessidades do motor.

Em um motor deste tipo, o aumento de potência, sem usar superalimentação, depende da cilindrada, velocidade e rendimento global, que abrange a eficiência volumétrica e a térmica, basicamente. Cilindrada maior o motor tinha, mas Burt teve que aprimorar a parte do rendimento. O sistema multiválvulas dava a ele um melhor controle sobre o fluxo admitido, mas ainda era necessário trabalhar em taxa de compressão e componentes móveis, como os pistões e a bielas.

Diversos modelos de pistão foram criados, com diferentes formatos da cabeça, para ver qual seria o mais adequado para seu motor. O formato da cabeça do pistão influi tanto na taxa de compressão como no comportamento do fluxo de mistura admitida, melhorando ou piorando o rendimento da queima.

A Munro Special em 1953

As bielas tinham que suportar o esforço extra que o motor retrabalhado gerava. Ele mesmo fabricava suas bielas em um processo artesanal, a partir de diversos materiais, entre eles, eixos de antigos tratores e carros.

A aerodinâmica da moto também teve que ser aprimorada. Uma carenagem especial foi feita para cobrir todo o quadro, pneus e boa parte do corpo de Munro. O ar passando pela moto descarenada e pelo piloto geram um grande arrasto, mas com a carenagem o ar flui de forma bem mais suave. Assim, o coeficiente de arrasto diminui bastante, requerendo menos potência para uma dada velocidade.

A Indian Scout preparada para receber a carroceria de compósito de fibra de vidro

Além da forma suave da carroceria, uma pequena área frontal também é importante, por isso a moto é tão compacta. Burt tinha bom conhecimento sobre a aerodinâmica da sua moto, a base teórica sobre arrasto, centros de pressão e fluidez do ar foram fatores importantes para que a moto fosse estável. Sem isso, seria praticamente impossível chegar à velocidade desejada.

Nos anos sessenta, após já ter diversos recordes estabelecidos na Oceania, Munro partiu para conquistar a América com sua Munro Special, rumo a Bonneville, a Meca da Velocidade.

Burt e a Munro Special, quando recebeu o saquinho de dinheiro em Bonneville

Nas suas tentativas no deserto, Burt conseguiu em 1962 o assombroso recorde de 178,97 mph (288 km/h) na categoria até 850 cm³ na prova da milha lançada. Neste tempo, este era um dos primeiros estágios do aumento de capacidade que ele fez no motor da velha Indian.

Contam os relatos que Burt quase não pode participar do evento em Bonneville, pois não havia feito inscrição antecipada. Na sua terra, os participantes das corridas apenas apareciam no dia do evento, colocavam suas motos na reta e aceleravam. Depois de algumas conversas com pilotos mais experientes e simpatizantes da causa, os organizadores liberaram a participação daquele estrangeiro maluco de 60 anos. Os fiscais de segurança da prova fingiram que não viram como a Munro Special era construída, e como ele assumira total responsabilidade sobre seus atos, “deixaram passar”.

Quem assistiu ao filme "Desafiando os Limites" deve lembrar da cena em que Burt recebe de presente um saquinho com dinheiro recolhido entre os participantes para ajudar nas suas despesas. Este fato realmente ocorreu, ele foi presenteado por todos que apostavam na sua ousadia e determinação.

O motor da Munro Special

Quem poderia imaginar que aquela velha moto feita literalmente no fundo de um quintal podia andar tão rápido, mais rápido que as motos dos profissionais! Nem mesmo os problemas de coração o impediram de correr.

Na configuração de 950 cm³ no seu motor V-2 com cilindros inclinados a 42°, praticamente todo reprojetado por ele mesmo, Munro estabeleceu o recorde mundial de velocidade em 1966, com 168,06 mph (260,5 km/h) na prova de uma milha lançada.

Anthony Hopkins no papel de Burt Munro no filme "Desafiando os Limites"

Em 1967, a consagração veio com o recorde de 183,56 mph (294,4 km/h) na categoria de motos até 1.000 cm³, e para a qualificação ele alcançou incríveis 190,07 mph (305,89 km/h), que era a marca oficial mais rápida já registrada para uma Indian. Burt ainda conseguiu uma passagem não oficial a 205,67 mph (331 km/h), que seria o recorde absoluto.

O recorde de Burt Munro se enquadra na categoria S-F, onde o "S" significa streamliner (carroceria aerodinâmica) e o "F" significa que é para motores modificados. O recorde da passagem de 1967 ainda não foi batido e o seu nome permanece no livro de recordes.

A folha de tempo de Bonneville, 1962, com o tempo de Burt e a Indian

Herbert Munro voltou ainda a Bonneville diversas vezes, mas não conseguiu superar seu próprio recorde. Mais de quarenta anos de determinação em busca de um sonho e uma vida pessoal dificil, resultaram no nascimento de uma lenda. O sonho teve seu preço. Como o personagem de Anthony Hopkins diz no filme, “às vezes vivemos mais em cinco minutos em cima da moto do que muita gente vive em uma vida inteira”.

Burt e sua oficina caseira, nos seus últimos anos de vida


O certificado do recorde, ainda em vigor.

Fotos: arquivo da familia Munro, AMA, Indian History

MB

25 comentários :

  1. Belli,
    história que precisava ser registrada aqui no blog.
    Muito bem escrito, parabéns !
    Munro é mesmo uma figura, e o filme é muito fiel à realidade, pelo que se comentou quando foi lançado,
    Interessante também foi Anthony Hopkins dizendo que gostou demais de fazer o personagem, pois estava meio afetado pelos dois filmes onde interpretou Hannibal Lecter. Disse ele que precisava fazer um filme sobre uma estória bela e um personagem bondoso e humilde.

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  2. MB

    Beleza de post!
    Também assisti ao filme(mais de uma vez) e adorei...
    E fiz uma promessa: Não morro antes de conhecer o deserto de sal.

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  3. MB, que beleza de relato, obrigado!

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  4. É interessante ver quanto pode fazer um esforçado autodidata, ainda mais sem grandes recursos financeiros.

    Graças a essa incrível obstinação, a Indian se tornou uma marca conhecida e respeitada. Afinal, uma moto, naquela época, chegar a quase 300 km/h foi uma senhora façanha.

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  5. Excelente post, parabéns!!

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  6. A moto dele ainda existe e foi exposta no Concours D´elegance de Pebble Beach

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  7. Esse é o legítimo espírito do AUTOentusiasta, uma vida dedicada a alcançar um sonho, um exemplo magnífico de perseverança, força de vontade, criatividade, técnica e autodidatismo. É a estampa do batalhador que não se deixa abater pela falta de recursos.

    Quando assisti o filme me emocionei com a história por diversas vezes, e agora sabendo que grande parte do que foi retratado realmente aconteceu, deixa tudo isso ainda melhor.

    Burt é um exemplo inigualável!

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  8. MB, fantástica história! Assisti o filme duas vezes e cada vez me surpreendi mais. Principalmente por saber que se trata da realidade, muito bem contada por você. Munro: determinação e autodidatismo ao extremo.

    E saber que pessoas e empresas, com milhões de recursos, não conseguem melhorar um simples parafuso...

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  9. A história de Burt é emocionante, desafio, coragem e uma enorme força de vontade, um exemplo!

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  10. Milton Eller07/02/2013, 16:13

    SHOW, assisti o filme, é emocionante. A historia do Burt é linda um exemplo. Piloto motos a 35 anos e não largo o brinqudedo.

    ABS

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  11. Realmente esse filme é imperdível. Imagina o que esse cara faria se tivesse à disposição uma oficina de desenvolvimento técnico da própria fábrica. Seria chefe de uma equipe de engenharia.

    Isso me faz lembrar o quanto as fábricas desprezam oportunidades de, no mínimo, ter uma excelente ação de marketing. Aqui no Brasil o recente cúmulo da burrice foi quando a Volks quis processar o "Irmão do Décio" (pra quem não conhece, vale a pena pesquisar), por uso indevido da marca, ao invés da fábrica dar um emprego pro cara, já que o trabalho dele é muito melhor que o do departamento de desenho deles. A repercussão na internet foi tão negativa (lógico), que a Volks distribuiu nota dizendo se tratar de um "mal entendido". Vergonha.

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  12. É uma bela história, sobretudo levando-se em consideração todo o tempo de desenvolvimento da Indian e a incrível capacidade autodidata dele.
    E ainda está lá o recorde, servindo de exemplo para todos que buscam um objetivo.

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  13. Exelente...... é por isso que gosto deste BLOG, além de encontrar todos que me despertaram para gostar de carros, e agora junto as motos, é um BLOG de respeito, e sempre com inéditas reportagens, somos grandes privelegiados, OBRIGADO, e este história é o que nós sempre sentimos, todos nós. Pessoas que conheceram o Burt dizem que é exatamente como foi representado no filme, simples, humilde e de grande capacidade em fazer amigos, algo difícil hoje em dia.

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  14. Belíssimo post, daqueles de dar um nó na garganta a cada parágrafo. Por indicação do AUTOentusiastas é que assisti ao filme Desafiando os Limites, que recomendo a todos. Desnecessário dizer que é sempre ótimo rever o filme e sentir a grandiosidade do feito de Burt Munro. E tinha que ter muita coragem para correr a 300 km/h de moto naquela época!

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  15. Assisti ao filme de Burt Munro. É emocionante, tudo o que ele fez saindo lá do fundo da Nova Zelândia, indo num país desconhecido, lidando com gente desconhecida, se esforçando para conseguir correr e estabelecer seu recorde.

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  16. quem tem sonho , vai lá e FAZ! Burt fez. Simples assim. Já assisti o filme trocentas vezes e não enjoo. Baita lição de perseverança;...

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  17. Gostaria de ver algo sobre as motos NSU, principalmente as de recorde de velocidade(puxando o tema).

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  18. Ótimo texto ! E como eu suspeitava, tenho o filme e por coincidência tinha dado aos meus pais para eles assistirem ante ontem e fique de procurar saber mais sobre a bela e empolgante historia na internet e, olha ai o resultado "na mão! e na hora certa. heheheee

    Parabéns Milton e obrigado !

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  19. Espetacular! Vou procurar ver o filme.

    Abraço

    Lucas CRF

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  20. Srs. do blog


    Aquele desvairado alcunhado de Kleber Atala , que anda de moto loucamente , sob a complacência das autoridades - de todos os níveis - e dos legisladores ( deputados e senadores , ora pois ) matou um pedestre ao fazer manobra ilegal , e fugiu !

    A polícia , diz que está " analisando os fatos e os vídeos " desse louco.......

    E aí , Sampa?

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  21. Me pergunto como a refrigeração do motor não foi comprometida, afinal de contas ele estava sob uma carenagem sem entradas de ar para ele e era refrigerado justamente a ar, girando alto e gerando um calor enorme.

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  22. Bom, eu assisti o filme 3 vezes e me emocionei em todas elas. Adoro esses filmes com temas reais. Vendo as fotos de Munro percebo que Hopkins fez uma interpretação magnífica (como sempre). Lendo essa postagem e ao mesmo tempo lembrando do filme achei sublime. Nela contem detalhes que não sabia e que foi muito bem explorado pelo Milton, realçando detalhes que valorizam ainda mais o mito Munro, que conhecia apenas pelo filme. Vou assistir novamente pois, de posse desses conhecimentos, é como assistir a uma nova versão alongada do filme. Parabens Milton................

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  23. Este comentário foi removido pelo autor.

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  24. Ótimo post!
    Foi um feito realmente memorável.
    Há alguns anos comprei o DVD do filme. Já tinha ouvido falar, mas ainda não conhecia a história.
    Gostei muito de assistir o filme e também de conhecer esta história inusitada.

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  25. Eu peguei esse filme por acaso, zapeando os canais. Otimo filme, muito bom.
    Nao tinha noção da quantidade de modificações feitas no motor. Trabalho de genio

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